Diagnóstico temporal das alterações físico-química do cimento Portland brasileiro e do uso de cimento ensacado para produção de concreto in situ

Resumo

A indústria cimenteira tem planejado e implementado diversas soluções para redução dos níveis de emissão de gases do efeito estufa, principalmente dióxido de carbono (CO2), em seus processos produtivos. Uma das ações implementadas foi a redução das proporções de clínquer contido no cimento, por meio do maior uso de materiais cimentícios suplementares (MCS), especialmente de materiais carbonáticos (fíler), pozolanas (cinza volante) e escória de alto forno. Porém para que o cimento Portland ofereça a resistência mecânica mínima aos 28 dias de idade preconizada na norma vigente NBR 16659 (ABNT, 2018), uma das soluções industriais possíveis é a elevação da finura e/ou do teor de C3S do cimento. Contudo, cimentos com elevado teor de C3S e/ou elevada finura, podem resultar em maior probabilidade de manifestações patológicas em materiais a base de cimento, como retração e microfissurações, tornando as estruturas e elementos cimentícios mais vulneráveis a agentes agressivos externos, e, portanto, menos duráveis. Neste contexto, este estudo objetiva analisar a evolução da finura e composição química dos diferentes tipos de cimento Portland produzidos no Brasil nos últimos 50 anos (1970-2024). Também avalia o emprego em campo de cimentos ensacados com base no proporcionamento de água em função da percepção de trabalhabilidade do concreto pelo operário. Na primeira etapa empregou-se o levantamento de dados em documentos técnico-científicos brasileiros publicados no período, analisando o tipo de cimento, a finura Blaine, a composição química e o ano de publicação. Os resultados indicam que a finura dos cimentos apresenta tendência de aumento no tempo, exceto o cimento CP II E o qual apresenta estabilidade. Os resultados de composição química com base na equação de Bogue mostram que o teor de C3S e C3A tem 90% dos resultados acima da recomendação da literatura para questões associadas à durabilidade. Na segunda etapa, foram produzidos concretos com os cimentos do tipo CP II Z 32 e CP V ARI RS com finura variada, a fim determinar a resistência mecânica, índice de ligante, e índice de carbono. Também fez-se uma análise de durabilidade por meio do emprego de modelos de simulação da profundidade de carbonatação e ataque por cloretos. Constatou-seque os concretos produzidos em obra apresentaram elevada relação água/cimento(de 0,70 a 0,90). Concretos com CP V (cimento com maior teor médio de clínquer) apresentaram maior resistência à compressão em todas as idades, o que conferiu índices de ligante e de carbono inferiores, o que é desejável do posto de vista de desempenho ambiental. Para a durabilidade, este cimento também apresentou melhor performance para a carbonatação. Para o ataque por íons cloreto, os resultados foram satisfatórios para os dois cimentos avaliados, considerando uma espessura de cobrimento de 40 mm e vida útil de projeto de 50 anos. Na análise financeira, o cimento CP II Z 32 apresentou menor custo em R$ por m³ de concreto produzido. De forma geral, pode-se afirmar que os cimentos brasileiros apresentam tendência de aumento de finura e mudanças na composição química ao longo do tempo, que acompanha a tendência de redução de emissões de CO2. Em aplicações sem controle de produção (como canteiro de obra), cimentos com menores teores de clínquer (CP II Z) podem apresentar desempenho inferior quanto à resistência mecânica, índice de carbono e penetração de agentes agressivos. Os resultados apontam que somente reduzir o teor de clínquer não necessariamente é a solução que reduzirá as emissões de CO2 do concreto, sendo necessária uma abordagem holística da cadeia de suprimentos considerando resistência à compressão, índices de ligantes, carbono, durabilidade e disponibilidade do material na região.

Abstract

The cement industry has planned and implemented several solutions to reduce greenhouse gas emissions, mainly carbon dioxide (CO2), in its production processes. One of the actions implemented was to reduce the proportions of clinker contained in cement, through greater use of supplementary cementitious materials (SCM), especially carbonate materials (filler), pozzolans (fly ash) and blast furnace slag. However, for Portland cement to offer the minimum mechanical strength at 28 days of age recommended by the current standard NBR 16659 (ABNT, 2018), one of the possible industrial solutions is to increase the fineness and/or C3S content of the cement. However, cements with high C3S content and/or high fineness may result in a greater likelihood of pathological manifestations in cement-based materials, such as shrinkage and microcracks, making cementitious structures and elements more vulnerable to external aggressive agents and, therefore, less durable. In this context, this study aims to analyze the evolution of the fineness and chemical composition of the different types of Portland cement produced in Brazil over the last 50 years (1970-2024). It also evaluates the field use of bagged cements based on the proportion of water in relation to the perception of concrete workability by the worker. In the first stage, data were collected from Brazilian technical-scientific documents published in the period, analyzing the type of cement, Blaine fineness, chemical composition and year of publication. The results indicate that the fineness of the cements shows a tendency to increase over time, except for CP II E cement, which presents stability. The chemical composition results based on the Bogue equation show that the C3S and C3A content has 90% of the results above the literature recommendation for issues associated with durability. In the second stage, concretes were produced with CP II Z 32 and CP V ARI RS cements with varying fineness in order to determine the mechanical strength, binder index, and carbon index. Durability was also analyzed using simulation models for carbonation depth and chloride attack. It was found that the concretes produced on site had a high water/cement ratio (from 0.70 to 0.90). Concretes with CP V (cement with a higher average clinker content) showed higher compressive strength at all ages, which resulted in lower binder and carbon indexes, which is desirable from an environmental performance standpoint. For durability, this cement also showed better performance for carbonation. For chloride ion attack, the results were satisfactory for both cements evaluated, considering a cover thickness of 40 mm and a design service life of 50 years. In the financial analysis, CP II Z 32 cement had the lowest cost in R$ per m³ of concrete produced. In general, it can be stated that Brazilian cements show a tendency to increase in fineness and changes in chemical composition over time, which follows the trend of reducing CO2 emissions. In applications without production control (such as construction sites), cements with lower clinker contents (CP II Z) my present inferior performance in terms of mechanical strength, carbon index and penetration of aggressive agents. The results indicate that reducing the clinker content alone is not necessarily the solution that will reduce CO2 emissions from concrete, requiring a holistic approach to the supply chain considering compressive strength, binder indexes, carbon, durability and availability of the material in the region.

Descrição

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, como parte integrante dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Engenharia Civil.

Palavras-chave

aglomerante hidráulico, durabilidade das construções, mudanças climáticas, cimento - indústria

Citação