As vozes de “Déjame”/“Lástima” Um soneto censurado de Blas de Otero
Resumo
O soneto “Déjame” de Blas de Otero aparece pela primeira vez na revista Espadaña em 1950 sob
os olhos de uma censura essencialmente eclesiástica, que ganhara força no regime franquista no
PósGuerra Civil Espanhola. Sistematizada para censurar qualquer texto e poesia que fossem
diretamente contra a Igreja e a fé cristã, a acusação de “flagrante heresia” por parte dos censores
forçou Blas de Otero a trocar de título, de “Déjame” para “Lástima”, e inserir, como epígrafe, um
trecho de San Juan de la Cruz para retificarse ao diário católico e afirmar a religiosidade de seu
soneto. Os versos e as estrofes, porém, foram mantidas intactas. Tendo isto em mente,
analisaremos, através da dialética de Lukács, como o poema “Déjame”, que carrega uma voz
angustiosa diante de uma perda da fé e pela desconfiança da representação de Deus naquele
momento da Espanha, é forçado pela censura a tomar uma voz de afirmação religiosa pela inserção
de um trecho de San Juan de la Cruz e pela mudança de título, “Lástima”. Ainda que o soneto seja,
substancialmente, o mesmo, a censura que força a mudança em seu poema nos permite observar
aquilo que Lukács desenvolve em As almas e as formas (2015) sobre o movimento de continuação
e descontinuação perante um contexto históricosocial fragmentado. As vozes destes sonetos,
“Déjame” e “Lástima”, demonstram a ironia e a capacidade de Blas de Otero em lidar com a
repressão do aparato censor da ditadura franquista